sábado, 5 de dezembro de 2015

Antropoceno

"É chegada a hora do fim de tudo
docemente engendrada por cientistas,
políticos e pela fétida burguesia
a cada nova corrida armamentista
nas pacíficas bombas químicas
que despencam impetuosas no oriente

É chegada a derrocada profunda
da natureza exausta e asfixiada
por gigatons de lucrativo carbono
alimento do insaciável desejo
de povos bestificados pela volúpia
hipnotizante prazer de ter sempre
e sempre mais a qualquer custo

É chegada enfim a nuvem tóxica
petrificante, sorrateira, inescapável
a envolver nossos pulmões atrofiados
calando da boca seca o último sussurro

É chegado o mar de lama radioativa
o rompimento da barragem de Mariana
a ausência de culpados pelo extermínio
das vidas perdidas na inundação

Aguardamos pacíficos o grande racionamento
atônitos diante de tratados infinitos
da nova negociação global da existência
que nos salvará da extinção instantânea;
ao menos até a próxima guerra nuclear
para a paz mundial

Blindados pelo frio da natureza transformada
generais desfilarão seus tanques de aço
por praças vazias e deformadas pela solidão;
governantes elaborarão discursos virtuosos
aos insignificantes seres que agonizam;
famílias inteiras, comunidades diversas
erguerão as mãos aos céus em prantos
à esperar em vão o sagrado milagre

Mas ao abrirem suas janelas verão
que é chegado o fim do mundo
o esgotamento de tudo
o ponto transcendental
a tão temida morte
e nada além disso."

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Encruzilhada

"me encontro em uma encruzilhada
qual destino me guarda a sorte?
vejo oportunidades por todos os lados
o otimismo talvez seja mesmo
minha inconstante qualidade

mas então observo por um segundo
com o olhar mais atento do que antes
e vejo mortos, feridos e famintos
meu corpo treme
haverá destino aos flagelados?
me questiono cotidianamente

vejo guerra por todos os lados
e eis que a encruzilhada se dissolve
apontando a aterradora verdade
diante dos meus olhos cansados:
otimistas ou não
temos que seguir lutando!"

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Se ela soubesse

"Se ela soubesse
que a dor que oprime também liberta
se a ela eu ousasse falar enfim o que sinto
do amor que não passa
das decepções que me assombram
da felicidade de estarmos juntos
já não mais temeríamos nada

se ela soubesse."

terça-feira, 7 de julho de 2015

A morte banal

"Mataram outro jovem negro
cuja vida há muito esquecida
sonhava encontrar uma saída
para o desalento e a fome


a solução: um cano frio
apontado contra a existência maldita
de um homem sem nome nem título
cuja sentença fora proferida
há mais de 500 anos


transeuntes desavisados
observavam atordoados a cena
do homem negro sangrando amarrado
filmado por dezenas de lentes sem alma
prontas para reproduzir o horror

de mais um dia comum

nas capas dos diários de hoje
odiosos seres conclamam ultimatos
arguindo a justiça dos fatos
justificando a morte e o ódio
que fermenta na mente do povo


onde estavam os imparciais repórteres
enquanto aquele homem chorava
pelo frio, pela peste e o abandono
quando o esquecimento insistia
em sugar-lhe até o último sentido
de dignidade


onde estava a justiça dos homens
quando não haviam escolas,
quando o dinheiro faltava
para garantir ao homem que hoje sangra
alimento, vestimenta e abrigo


gostaria de saber onde se escondem aqueles
que na hora da morte cruenta
bradam a justiça divina
mas que na hora da dor e do desalento
se abstém de denunciar a desigualdade
certos de sua inocência."