domingo, 27 de julho de 2014

Elegia

"Choras a ausência, o horizonte vazio de ideais repetido dia após dia
tuas crenças fixaram-se em cada fração de existência cotidiana
por isso parece-te lícito bradar feito um animal raivoso
apontando na multidão os culpados da desgraça humana
os inimigos da ordem e da civilidade forjadas a tanto custo
no silêncio de alcovas colossais,
em tribunais cuja imensidão desconhecemos completamente.

Negas o pecado que cometestes,
pois é certo que ignoravas tão bem a verdade
e que teu porto seguro sempre foste a virtual hipocrisia
na qual entretêm-se os homens ao redor do mundo caduco
de onde escrevo a elegia de uma vida que lhe pertencera outrora.

Tu falavas de um Deus no qual não cria,
do ser justo e piedoso que não se via em teus gestos
ou no brilho oculto dos olhos que me deram a dádiva da escolha,
para enfim discordar das tuas premissas e certezas
e quiçá acordar-te do sono secular que mutila a nossa natureza.

Confesso que gostaria de sentir falta de algo,
de um insignificante momento, e por isso choro 
e nego a cruel possibilidade de que nada tenhas deixado
além de lembranças para um poema ruim."

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Noite vermelha

"Existe atravessado em mim
oco e inconfundível
o traço de um triste presente
queimando em chamas,
ardente
projétil da intolerância
estilhaços da bomba caótica
que tingiu o breu do céu
e tantas vidas inocentes
de vermelho
pela eternidade."

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Gold Coast

"Amigo, sei que estás de partida
É noite e meu coração palpita
Incessantemente em meu peito
Sabe que está vivo e tem sede
Impossível seria não lhe dar ouvidos
Me parece cheio de belas novidades
Cheio do simples, do óbvio, prazer
Ocultado pela inexperiência
Ou pela vil estupidez humana
Da qual não estamos imunes

Já sabemos que em Outubro partirás,
Mas nos agrada imaginar que ainda assim
Estarás conosco sempre presente
Somos como aqueles
A quem tua partida entristecerá um pouco
Não o suficiente para deprimir,
Mas o bastante para saber
Que um grande amigo se vai
Em busca da felicidade,
Daquilo que lhe preencherá tão bem
Como café quente no bule pela manhã

Sei que tudo isso não passará,
Enquanto não me ligares novamente
Com a gargalhada alegre de sempre
Mas sei também de mais
Que este aperto que tu também sentes
É o prelúdio de dias melhores,
De sonhos construídos e executados,
Frutos do teu grandioso espírito
Mas, sobretudo,
Que representa uma simples amizade
A quem tua presença fará falta,
Saiba disso

Se escrevo é porque estou feliz
Em parte, devido à tua felicidade
Em parte, porque sei que voltarás
E terás muitas histórias
Para nos ocupar o tempo
Pode ser que estejas mudado,
Com mais barba ou careca,
Com um cavanhaque estranho
Imitando a moda antiga
E isso igualmente nos renderá grandes risadas,
Tenho certeza!

Tenho pensado um bocado
Sobre as idas e vindas,
Sobre como as pessoas se deslocam
Ou se sentem deslocadas
Quanto imaginamos que estão bem
E acredite no que vou lhe dizer rapaz:
Não tenha medo de viver!
Faça o que acha que tem que ser feito
E aceite as consequências
Como um aprendizado sadio
E por vezes doloroso

E onde quer que estejas,
Lembre-se que tudo o que você precisa
Não foi levado nas infinitas malas,
Nem está reservado em um quarto de hotel
Ou em uma pensão barata
No subúrbio de Gold Coast
Lembre-se, antes de mais nada,
Que lhe digo isso em prece
Para que a tua luz nunca se apague
Nos momentos de maior necessidade

Onde quer que estejas, de hoje em diante,
- Quero que me prometa que não se esquecerá -
Atinja a felicidade que o habita
Aquilo que jamais poderás encontrar
Em lugar outro que não seja dentro de ti
Saiba ser feliz com aquilo que tens,
Dar valor a tudo o que o preenche
Ainda que sejam as menores coisas
Um bom dia, o ar que respiras,
As boas recordações
Ou a fé que o movimentará
Em tua nova e audaciosa jornada

Tu nunca serás completo, meu caro,
Sinto em lhe dizer
E sendo assim, o que posso lhe deixar
De valioso e sincero
Como presente de boa viagem
É este simples conselho
E os renovados votos de uma amizade
A qual distância alguma apagará."