quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

E quando me esqueço...

"Não há palavra,
Não há saudade,
Não há certeza,
Apenas o aspecto pálido
Da frieza penetrando no corpo
E o silêncio que se faz no peito
Quando o coração cansado
Num último ato desesperado
Deixa de querer bater."

Quando penso em ti

"Adoeço quando penso em ti
Suo frio como um pobre moribundo
Perco o compasso dos batimentos
E os meus sentimentos
Todos juntos
Perdem um pouco do brilho
Tornam-se opacos,
Sem graça

Adoeço a cada amanhecer
E assim acalento a certeza
De que os dias que ainda virão
Serão para sempre um começo
Da luta pela vida
E pela já quase esquecida
Felicidade."

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Amar, verbo transitivo

"Amar
Verbo transitivo direto
Conjugado no coração dos homens
Sem tempo certo
Ou momento adequado
Sinônimo de afeto
Sofrimento
Felicidade

Quem ama, ama a…
Dai a necessidade de um complemento
Dum outro elemento
Sujeito a quem se destina a frase
O poema
De estrofes rimadas
Em versos de alegria pequena

Eu amo,
Tu amas,
Ele ama
Mas sujeito algum amará tão bem
Quanto nós
Ocultos em nosso abrigo secreto
A sós, suspirando em versos indefinidos
Sem métrica alguma
Com pressa nenhuma
Inventando novos significados
Às palavras que bailam indecisas
Apáticas, reumáticas
Sem sentidos

À parte este meu esforço efêmero
Que sei eu desse tal amar
Além de que me colore a face
Dum vermelho cor-de-sangue
E que me rouba o ar dos pulmões

À parte isso
Sinto-me embriagado e ansioso
Somente e tão somente
Por supor uma única
Sempre distante possibilidade
De encontrá-la perdida
Nas ruas dessa cidade
Esquecida
Como se ali sempre estivesse
Com seus belíssimos olhos castanhos
Mirando o horizonte entre as nuvens

Mas eu
Pobre aprendiz de poeta
Aquele que adora falar do amor
Dos verbos,
Do tempo,
Da saudade que ela me trás
Infelizmente
E com muito pesar
Confesso:
Não aprendi a amar."

terça-feira, 12 de novembro de 2013

À uma desconhecida

"Desconheço seus vastos campos
As planícies em seu coração palpitante
E os caminhos que levam a ele

Tudo o que sei
Dela
São versos
Estrofes
Poesia

Tudo o que sei
Dela
São obras do mais íntimo desejo
De sua ânsia pela vida
E mais nada

Não sei de suas dores
Mas é possível que existam
E por vezes a impeçam de dormir
Com o peito inundado
Profanado
Expandido
Através de mil galáxias

Desconheço-a completamente
Sei apenas que existe
Taciturna, fugaz
E em sua alma
Talvez habitem estrelas
De brilho intenso
E hábitos noturnos
Para iluminá-la nas madrugadas de insônia

Sei apenas que de sua pele morena
Emana um doce perfume de flores
Que seu corpo é enfeitado
Com adornos de índia feiticeira
Que tem olhos tão profundos como a noite
E que para chegar até eles
Muitos bravos guerreiros já morreram

À sua prosa dedico as minhas horas
De ócio
De lucidez
E atenção
Envolvido em seu jogo de palavras
Cuidadosamente criado
Como um quebra-cabeça sem fim

Não a conheço,
É verdade
Mas talvez quem sabe
Não seja necessário tanto
Para que o seu encanto aconteça."

Possibilidades

"Mais uma vez o Sol,
A Lua,
O oceano atlântico,
Imensos
Belíssimos como nunca os vi

Os pensamentos tantos,
Todos,
Tortos,
Traídos,
Entorpecidos

Excessivos como tão bem sou
Escondido em mim
Transitório
Deselegante
Distante demais
Cogitando possibilidades
Sempre absurdas
E demasiadamente atraentes."

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Fragmentos

"Escrevo para ela em segredo
Com medo que saibas de mim, 
O outro eu que ama calado
Perseverante, moldando palavras 
Aos limites que o amor encontra
Ao dar-se conta que existe 
E é inevitavelmente verdadeiro
Com suas espessas raízes 
Brotando do coração aos montes
Em estrondoso êxtase 
Até os limites da pele cálida
Ouriçada de prazer intenso
Por sentir em seu interior borbulhante 
Como milhões de balões enlouquecidos
O amor incontido, violento,
Prestes a rompê-la impetuosamente
Rumando em direção a ti, 
Idealizado em fragmentos de poesia esparsa
Entre sinônimos dissimulados 
Em estrofes absurdamente ambíguas
Que me atravessam dissonantes 
Nas indecifráveis marés vindas de longe
Da encruzilhada de terras 
Em que homem algum habitou em vida
Onde a razão encontra o seu oposto
Nessa desmedida emoção 
Que aos poucos me consome."

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Oblíquo

"Enquanto eu me perco em pilhas de papeis inúteis
Do lado de fora de mim o mundo segue vertiginoso
Em seu ritmo incessante de dias, tardes, noites
E madrugadas quietas nas quais permaneço absorto
Cogitando palavras, construindo contextos de alegria ou tristeza
Escamoteando o leve perfume que a noite trás
Em busca de algo indefinido
Algo que eu ainda não conheço bem e sequer sei onde fica
Mas que me falta como a água ao peixe,
Como a selva ao leopardo arisco, bicho-do-mato de ilustre beleza
Enquanto me perco mirabolante nestes tais pensamentos
Nestes momentos de sólida lucidez incontida
Por entre matas virgens e animais misteriosos e faltas irreparáveis
Do lado de fora de mim aumenta a embriaguez do mundo
E tudo parece simples como um passeio no parque
Até mesmo os cinzentos papeis empoeirados,
Esquecidos em pequenos montes se arriscam graciosos
E alvoroçados se põe a bailar pelo escritório vazio
Acompanhando a dissonância em meus versos
Alheios ao tic-tac provocador do relógio entalhado na parede
Cujos ponteiros crescem ameaçadores a cada minuto conquistado
Oblíquos como um olhar cigano de profundidade indecifrável
Prestes a anunciarem o momento da partida."

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Amantes

"Deixa a minha poesia viver
Deixa que o sol ilumine e aqueça
Se esqueça do depois, do não dá
Deixa essa paixão vingar sem medo
Ao som dos versos meus soprando
Nos ouvidos teus, feito brisa do mar
Arrisque um sim só pra variar
E ver o que acontece depois
Pra gente rir de prazer e medo,
Juntinhos numa tarde sépia no parque
Arrisque-se a amar bem cedo
Antes mesmo da manhã raiar
Deixe a canção preencher os espaços
Os vazios do nosso futuro hipotético
No breu do quarto, no calor da cama
Envoltos em fumaça e gozo e cansaço
Deixa eu sentir o teu suor
A tua prova de amor irrefutável
Em meus braços e em minha boca seca
No teu corpo encharcado de carícias breves
Quero viver ali, naquele recorte
De espaço e pele e doçura,
Naquele intervalo de tempo infinito
Em que estivermos juntos
Completos,
Amantes."

Souvenirs (tradução)

"É você que me falta
Sempre, todas as vezes distante
Caminhando muito elegante e altiva
É o perfume de sua vermelha flor
Que atravessa as paredes da casa
E me invade bruscamente na primavera

São todas as canções de amor
Aquelas que eu não posso esquecer
Que me habitam completamente a memória
Fazendo acelerar meu coração muito depressa e feliz

Os dias não são suficientes para imaginar
Ou mesmo para escutar através do silêncio da rua
Onde você tinha o hábito de passar
As palavras fieis, aquelas lá que eu vejo

Elas estão a cada vez mais distantes e descrentes
Longes o suficiente para ter às mãos
Como o sangue, como a prova
Do nosso crime apaixonado

É o meu sorriso que desapareceu na noite
Como as estrelas nas negras nuvens
Quando você partiu ao mundo sem piedade
Sem ao menos me enviar um sinal de adeus

É porque eu escrevo 
As lembranças do passado
As alegrias que nós compartilhamos juntos
E é óbvio que elas estão mortas em nosso interior
Como as flores no jardim abandonado
Mas enquanto eu puder me lembrar
Me recusarei a enterrá-las."

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Souvenirs

"C’est toi qui me manque
Toujours, toutefois distant
Marchant très elegante et hautaine
C’est le parfum de sa fleur rouge
Qui travers les parois de la maison
Et m’envahit brusquement au printemps

Sont toutes les chansons d’amour
Celles que je ne peux pas oublier
Lesquelles m’habitent complètement la mémoire
Faisant accélerer mon coeur très vite et heureux

Les jours ne sont pas suffisant pour imaginer
Ou même pour écouter sur le silence de la rue
Où tu avait l’habitude de passer
Les môts fidèles, celles-là que je vois

Elles sont chaque fois plus loin et incroyants
Assez loin pour avoir sur les mains
Comme le sang, comme la preuve
De notre crime passioné

C’est mon sourire qui a disparu dans la nuit
Comme les étoiles dans les nuages foncées
Quand tu es parti au monde sans piété
Sans au moins m’envoyer un signal d’adieu

C'est pourquoi j'écris 
Les souvenirs du passé,
Les bonheurs qui nous avons partagé ensemble
Et c’est sûr qu’elles sont morts en notre intérieur
Comme les fleurs dans le jardin abandoné
Mais aussi longtemps je pouvoir me rappeler
Je me refuserai à les enterrer."

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A sós

"Deixa eu admirar você assim
Devagarinho, sem culpa
Deixa eu descansar meus olhos
Na paz que emana dos teus

Deixa que a calmaria da noite nos leve
Rumo a uma aventura breve
Pra onde teus lábios encontrem os meus
Ainda quentes sussurrando em mil tons
Repetidas vezes o teu nome

Já faz tanto tempo
Confesso que não me lembro mais
De tantas palavras desperdiçadas em vão
Tentando montar o mesmo quebra-cabeça sem fim
Buscando razões absurdas a cada novo gesto

Deixa o passado pra depois, eu lhe peço
Pois saudade nunca faltará a nós dois
Eu quero lhe mostrar o inverso do óbvio
O impensável universo de possibilidades 
Que teríamos se ficássemos a sós."

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Relato de um poeta aposentado

"Existem maneiras distintas de fazer poesia
Há poetas caprichosos que buscam o reconhecimento
Há poetas tristes que escrevem por absoluta falta de opção
E outros, menos tristes, sonhando utópicos em suas cadeiras
Com o sentido das coisas e o rumo da vida."

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Os atravessadores

"Têm dias em que encontro pontos em mim
Um exército de pequenos atravessadores
Terminando, terminando, terminando
Sempre proclamando um fim."

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O Monstro e a memória

"Que as noites mal dormidas me deem forças
E alimentem o meu ódio contra o monstro de mil braços
Escondido em profundezas inatingíveis
Entre pilhas de papeis inúteis, que nada dizem
Letra morta de uma tal democracia utópica
Da qual se alimenta e sobre a qual se ergue
Sustentado por grotescas mentiras
Absurdos de um passado intransponível

Que a cada lacrimejar de olhos exaustos
E por todos os suspiros desesperançosos
Mil vozes se ergam enlouquecidas
Com ódio, apressadas, impiedosas
Que cabeças rolem
E o sangue podre dos injustos tinja as calçadas
Como premonição dos novos tempos
Que mil vozes roucas os aflijam

Façamos com que nos escutem
Trabalhemos para que nos temam
Ao ouvir o soar dos tambores
Cacemos sem trégua o monstro
Que insaciável nos consome
Subjugando a todos os homens
Cego ao nosso clamor desesperado

Que mil noites mal dormidas nos fortaleçam
Se for essa a única saída
Façamos delas nossas armas
A energia vital que nos falta à luta

Flores crescerão nos jardins da velha república
Cheias de ódio, fedendo a enxofre
Árvores darão frutos podres e odiosos também
Não haverá mais amor nem esconderijo possível
Aos que atravessarem o caminho da liberdade

Sobre estes passaremos felizes
Dançando sobre seus cadáveres ridículos
Envoltos em ternos e sapatos importados
Passaremos cantando a doce canção
Que se ouvia nas noites de medo
Do fundo dos velhos bunkers
E seguiremos rumo a um novo tempo
Deixando aos corvos e abutres
A carniça, a vergonha, a escória
A memória que caberá a nós superar."

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Distração

"Uma criança distraída,
Um balão abandonado no ar
Subindo, subindo ao céu tão veloz
Até desaparecer de vista…
Percebo como entristece o pequenino
Compadeço-me,
Entristeço eu também
Não o conheço, mas tanto faz
Não conheço mesmo a mais ninguém
Tão simples e sincero,
Tão merecedor de minha compaixão."

Esquecimento

"Nada será eterno,
Tudo passará e por isso quero que saibas
Antes que as mãos pesadas do tempo
E sua fúria insaciável me alcancem também
Que passei tardes inteiras aflito
Buscando palavras nas profundezas do coração
Desembaralhando ideias confusas,
Sentimentos dispersos em meu peito
Tardes inteiras lutando para não pensar
Na falta que você me faz."

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Na varanda

"Nosso remanso perfumado de doces canções
Repleto de amor no fim de tarde
Que se vai passando ao ritmo da melodia tanta
Até a luz baixa refletir vagarosa e sincera
A cumplicidade dos sorrisos abertos
Esquecidos frente a frente
Como a regar as plantas de breve felicidade."


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Há algum tempo

"Ei de confessar-te um segredo
Em frases simples, sem medo e sem métrica
A despeito de teu ceticismo

Desejo violar esse ponto insistente
Ameaça iminente de um fim sobre meus versos
De interrupção prematura da estrofe
Que nos selaria então as portas da vida

Ao contrário do que escreveu Neruda
O teu riso não mais veria passar pela avenida
Trazendo consigo a magia que conheço bem
Mas que definha a cada dia um pouco mais
Pela distância dos caminhos que nos separam
Dos poemas que se calam teimosos,
Relutantes em desatar o nó e o silêncio

Ei de confessar então, senão agora, jamais
Nunca ser demais o recordar dos momentos
Em que ainda me era dado amar-te
Desvestido destas vestes de inútil dissimulação
De cartas endereçadas a ti sem resposta,
E da solidão dos domingos na praça
Enrijecido pela hora que não passa
Estagnada diante de mim à tua espera

Infinita na demora de trazer-te novamente
Ao alcance dos meus olhos exaustos,
Ao tatear cego de minhas mãos ansiosas
Que só fazem lembrar de tua ausência

Sempre presente, permanente e sincera 
Como uma criança a dormir
E desfrutar de sonhos coloridos,
Repletos de inocente alegria
Tal qual fomos um dia
Há algum tempo atrás."

Satisfação

"Passam-se os dias
Perdem-se as horas
Vazias como o silêncio
Neste imenso litoral
Onde paro a observar o mar
E sua sequência infindável de ondas
Transformar-se em espuma branca
Sob meus pés descalços
Enchendo-me de uma agradável sensação
Estranha satisfação de estar vivo
Completo, do vento às marés
Dos pássaros que gorjeiam alto
Até a calada solidão em meu peito
Completo enfim,
Mas ainda assim insatisfeito."

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Ninguém

"Ninguém será capaz de perceber
Que o sofrer de outro alguém
Não importa quem,
Não importa o quanto
Foi, é e para sempre será
Parte dele também
Parte do canto silenciado
Nas gargantas de toda a gente

Ninguém será capaz de ver,
Reconhecer no outro a si próprio
Antes que seja tarde demais
Antes que o revés da vida
E suas feridas fatais
Marquem para sempre a história
Com páginas de tristes recordações
De existências perdidas em vão
Sobre o solo duro de concreto

Cálidas ainda, ofegantes 
Sob a fina garoa de verão
Que cai incessante, impaciente
Ensopando tudo ao redor
Confundindo o suor dos corpos
No esgoto de escuras avenidas
Abandonadas com seus cadáveres a feder

Sem ninguém ver,
Sem ninguém jamais saber dos mortos
Senão por apenas ouvir dizer que existem
E seguem famintos pelo mundo afora
Distantes de todo o glamour
Ausentes de qualquer conforto
Invisíveis talvez ao olho nu dessa gente

Gente que passa depressa, tropeça, desvia
Indiferentes como a chuva
Que molha sem querer nossa cidade
Nossa grandiosa metrópole corrompida
De vaidades sem limites,
Crescentes como o sol nascente
Que se ergue por detrás dos arranha-céus
Sem sequer alcançar os homens

Sol cujo lume não aquece mais o frio,
Nem nos ofuscam os olhos
Luz que a gente esquece
Porque por vezes parece
Haver se cansado de brilhar por nós

O que faremos?
O que seremos quando a escuridão reinar?
Quem será capaz de saber
Se o mundo será melhor então
Sem conhecer suas próprias desgraças?

Escondidas no breu das ruas
Debaixo de cobertas imundas
Cercadas por matilhas de cães vadios
Que não farão senão uivar para a lua
Eternizada no infinito como doce lembrança
Daquilo o que perdemos no passado
Da humanidade apodrecida em nossas mãos
Da vida dilacerada pelo tempo,
Em pequenas partes de amarga desilusão."

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Falando aos mortos

"Suas frágeis mãos agora ainda mais magras aparentam qualquer coisa contrária à vida, à vitalidade com que me recordo vê-la andando pela casa, a preparar o café da manhã de cereais, café preto e pão francês na manteiga. Seu lar agora é um leito solitário cercado por aparelhos amedrontadores, de toda a tecnologia existente e capaz de tornar quase imperceptível a aproximação do fim.

Gotas preguiçosas despencam de uma bolsa transparente, escorregando vagarosamente por um tubo longo e sinuoso, direto para suas veias ressequidas, incolores. Sinto pena, e me culpo por isso também. Pergunto-me por que um ser humano reconhece a humanidade do outro somente pela dor, em vão. Não tenho resposta, ela não me escuta, desvia os olhos pequenos e sem brilho para o outro lado, distantes da dura realidade de silêncio e espera.

Seus movimentos são agora apenas lembranças em um corpo cujos músculos retesos não esboçam qualquer tentativa ou frustração. Nenhum lamento se vê por estar condenada a aceitar a vida como ela se apresenta.

Viro as costas e caminho com os ombros pesados até a porta. Surpreendo-me com a mente descansada, sem pensamentos, mas um pouco triste. A morte é mesmo das coisas mais feias que já vi."

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Um dia

"Um dia quando o tempo passar
E a paixão esfriar,
E os corações secarem sob o sol
Como folhas caídas no outono
Um dia quando não houver mais nada,
Nenhum sopro de esperança em nossas almas
Ou palavras de consolo a dar
Se nenhuma promessa restar
Ainda por ser esquecida nas horas de solidão
Neste dia acabará o antes e o depois de nós,
Nada haverá.
Nada de que se arrepender ou lembrar
As tardes perderão a luz,
Os sorrisos enferrujarão sem graça
Em faces desconhecidas e pálidas
Com seus pares de olhos cinza a mirar o chão
Como que a procurar nas frestas
Qualquer sinal de recordação,
Qualquer pequena lembrança.
Quando o dia chegar, meu amor
Quero apenas vê-la passar uma última vez
E gritar, gritar o mais alto que puder
Antes que o silêncio aconteça
E nos cale para sempre."

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Epiderme

"Meu coração
Fraca epiderme
Fraca carne em ebulição
Queima como o sol
No solo seco do sertão."

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Agulhas negras

"Limite entre o céu e a terra
Onde me encontro acima do mundo
Flutuando entre nuvens passageiras

Tu és rígida como meu coração
Quente como meu coração
Palpitante, quieta

Não sei por que
Arrisco-me de tal forma
Ao pretender conquistar
O teu cume de mil faces

Talvez seja tua dura beleza
Que impiedosa me seduz
Mas sei o quanto és traiçoeira
Imponente gigante rochosa

Sei do poder milagroso que emanas
Que purifica a alma dos homens,
Que cura a cegueira dos olhos
E lhes reanima o corpo

Só ainda não sei
O quão mais alto ainda irei
Até saciar a minha sede."

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

"O nó na garganta me roubou a voz
Não consigo seguir fingindo
Sorrindo quando sorriem para mim

Aquela vontade de viver permanece intacta
Assim como meu amor por você
Mas acabaram-se os artifícios possíveis
As noites perdido em outros braços
Visível fracasso do esforço que faço
Pra tentar esquecer-te de uma vez por todas

Ao menos por um instante
Dormir em paz 
Sem olhar para trás
E sentir pena de nós logo adiante

O que fazer agora?
Eu me pergunto em vão sem respostas
Demora que não passa…
Que não tenhas vindo pra ficar
Rogo em prece às escondidas

Impossível seria compartilharmos as horas
E a dor contida nos dias que passo
Do alto deste terraço,
Escrevendo-lhe em versos tristes
Poesias e cartas de amor

Buscando uma alternativa plausível
Capaz de dissipar o grito
Que eu já não posso calar
Por nem mais um segundo."

Silêncio sincero

"O livro aberto sobre a mesa à meia luz me distrai o suficiente, subtraindo o possível sentido das prosas que se multiplicam ao redor. Escuto tudo como um espectador desinteressado o faria, mergulhado na imensidão de um romance há muito tempo idealizado por alguém, muito provavelmente, tão desinteressado quanto eu.

Uma garrafa de cerveja pela metade e apenas um copo. Bebo sozinho, por sorte. Compartilhar bons momentos é um privilégio raro e talvez por isso tão saboroso, não me lembro mais quando o fiz pela última vez sem pesar. Atualmente prefiro as vozes indefinidas dos bares e uma boa dose de ficção que me afaste desta grosseira realidade.

Ao menos aqui posso ser eu, alheio, taciturno, sentado quieto e livre da cruel necessidade de demonstrar interesse por coisas ou pessoas. Nada mais me interessa, deixo que olhem e riam da solidão como o fariam ainda que não houvessem motivos, pelo simples gesto de rir e acovardar-se perante o meu silêncio sincero."

terça-feira, 6 de agosto de 2013

De que me importa?

"Por detrás dos prédios vejo o sol caindo
E um avião passando no céu sem deixar rastro
Não sei pra onde vai tão depressa
Talvez leve gente importante
Empresários, suicidas, governantes
Com seus ternos caros
E sapatos cuidadosamente lustrados
Com a lâmina no bolso do casaco,
Esperando o momento certo

Que bela tarde faz em São Paulo
Nem quente, nem frio
A temperatura amena me acalma
Tranquiliza a sensação de vazio
De ver a mesma tarde pela milionésima vez
Com seus aviões, empresários e sapatos lustrados

Através da janela encardida de poluição
Num ponto xis de uma avenida qualquer
Posso imaginar o mundo inteiro num único instante
Como se dezenas de países e um punhado de continentes
Estivessem todos aqui presentes
Neste exato momento
Em frente à janela da copa no segundo andar
Onde tomo meu café preto em suaves goles
Distante, muito distante

Conheço poucas coisas na vida capazes de dar tanto prazer
Quanto se aquecer ao sol das 15 horas
Sem sentir um só pingo de culpa
Pelo trabalho acumulado ou das ligações que deixei de fazer
De que me importa
Se há uma dezena de e-mails a responder
Quando lá fora existem continentes infinitos e inexplorados
Todos ainda por conhecer?"


Pensei

"Pensei em aprender a pintar
Ou fazer um documentário
Pensei na cozinha francesa
E em como seria bom cozinhar
Quis reformar móveis velhos
Pra ver o tempo passar
Como lixa na madeira opaca
Que aos poucos vai fazendo brilhar
Pensei em fazer algo novo
Juro que até cogitei amar
Mas meu tempo anda tão escasso
Que eu só consigo pensar
Neste oceano de pensamentos absurdos
Naufrago sozinho, sem saber nadar."


Esconderijo

"Se a meia-noite não basta
Pra satisfazer o teu desejo
Não parta
Fique mais alguns tragos
Demore um pouco mais

Pra que tanta pressa
Se não há ninguém a lhe esperar
Se a casa ainda estará deserta
Quando você voltar?

Eu conheço o teu desespero tão bem
Pra continuar fingindo que não o vejo
Consinto, não vou mentir
Deixo que ele aconteça de tempos em tempos
Porque sem ele você nada seria

Ou melhor,
Seria como um sopro sem vento
Madrugada sem lua
Movimento sem vida
Essa vida toda sua, retida entre ponteiros
De um relógio parado, empoeirado
Esquecido nas profundezas do teu sótão imundo
Submundo de recordações e receios
Lar de paixões impossíveis

Será ali onde você se esconde
Durante as horas de tempestade?
Embaralhando em segredo cartas marcadas
Que eu lhe enviei outrora
Ou quem sabe roendo as unhas,
Com o coração inquieto
Procurando significados nas teias de aranha
Construídas no teto 
Sobre mobílias de um século atrás

Que lugar é esse,
Pra onde você prefere fugir
Sempre que a noite cai
Ao invés de simplesmente adormecer ao meu lado?"

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Paradoxo do nosso tempo

"Quem vai pagar
Pelo corpo no chão
Pela dor da família
Quem se arrisca a dizer
Quanto tempo falta
Para a próxima baixa
Pro caveirão invadir
Saquear, reprimir
Quem se arrisca?
Quantos mais?
Até quando?

A sorte está lançada
Façam suas apostas
É ano de copa do mundo
Que se fodam as mortes
Viva o apartheid imundo
Pare de questionar o sistema

Pequena, as coisas são como são
Porque sempre foi assim
A bala não é de festim
Porque um pobre não vale a lágrima
Nem a tormenta

Durma, durma e não pense
São apenas números no jornal
Manchetes sensacionalistas
Nada é real, mantenha a calma
E não se revolte
Foi só mais um a menos

Faça sua parte, estude, trabalhe
Conquiste bens, o máximo que puder
Constitua família e tenha medo
De ser furtado,
Sequestrado na saída do shopping

Tenha ódio de preto pobre vagabundo
Pois são eles os responsáveis
Por todos os problemas do mundo
Não você,
Nunca você,
Somente os outros, sempre

Viva o sonho americano sem remorsos
Essa construção fantástica de gente feliz
Sorridente, de barriga cheia e olhar radiante
Siga, siga adiante
Você já está quase pronta

Só mais alguns ajustes,
Pequenas regulagens
E voilà
Aí está, um ser humano ideal
Domesticado como um animal burro
Cego, surdo e mudo

Mais um a acusar sem conhecimento
A condenar sem provas
A engolir, digerir e reproduzir
Toda essa merda."