terça-feira, 30 de julho de 2013

Engano seu, engano nosso

"Se engana quem acha que amor se constrói
Constroem-se casas, prédios, hospitais
Pode-se até construir uma vida
Um ser humano inteirinho
Com um monte de coisas iguais
Dizem que até amarração tem quem faz
Mas amor de verdade não,
Jamais!"

Última dúvida

"Nunca imaginei que seria assim,
Sozinho com os pés gelados
A boca seca, rachada pelo frio
Na noite quieta, o coração apaziguado
Quase vazio,
Minguado em sua dor secreta
Calado sem um pio
Eu e só, sem mais nem menos
Sem desculpas sinceras
Nem arrependimentos pequenos
Sem saber a hora certa
Nem se lâmina ou veneno."

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Sem pudor

"Meu coração, por ser centro
Incerto, profundo
Vive em estado terminal
Sempre perto do fim
Doença sem cura,
Paixão sem final
Delirante, envolvente, filha-da-puta
Talvez demais pra mim."

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Piscar de olhos

"Que os meus olhos se fechem somente ao dormir, ou ao sentir soprar o vento numa tarde quente de verão. Que se fechem por estarem cansados de ver raiar o sol e de admirar o lume das estrelas distantes. Que se fechem por um instante apenas, e no instante seguinte voltem a se abrir para a eterna novidade das coisas."

terça-feira, 23 de julho de 2013

Uma manhã qualquer

"O que realmente me incomoda é a segurança, a falsa sensação de tranquilidade. Quando me sinto seguro é quando mais me inquieto, como se ao sentir-me assim, cômodo, um alerta soasse alto, impossível de ser ignorado ou esquecido. Acho que essa tal comodidade é sim uma forma de esquecimento, de fechar os olhos hipotéticos da mente ou guiar sua visão num caminho uno, indivisível. Impossível portanto.

Eu que nunca encontrei ponto em comum naquilo que sou, que quero e que penso ser, acostumei-me a conviver com a falta indefinida, com a presença incompleta, e conclui que prefiro ser triste por inteiro a ser quase feliz como outro qualquer."

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Tentativa

"Tento tampar os buracos
Que o tempo escavou em mim
E preencher esse vácuo
Que já não parece ter fim

Tento ser um sujeito calmo,
Mas não é bem assim
Só eu sei o que guardo calado
Cravado no peito enfim

Tento me agarrar a algo certo
Só que tudo é tão breve, tão pouco
'Pra essa paixão que carrego
E alimento feito louco."



sexta-feira, 12 de julho de 2013

Último desejo

"O tempo se foi,
O som esgotou-se
Cedeu o lar ao silêncio
O café requentado pela manhã
As tardes na varanda lendo o jornal
E o cafuné no cão preguiçoso aos seus pés
Cedeu sonhos não realizados
E promessas nunca cumpridas
Cedeu o ‘eu te amo’ que não disse quando pôde
Quando a única coisa a lhe impedir era então ele mesmo
Cedeu a esmo, sem luta
Não quis resistir
Cedeu com total consciência
E com a displicência que lhe era característica
Viveu sem graça, cedeu sem riso
Morreu sem choro ou último desejo."

High blue sky



"Good bye blue sky
It was a pleasure to see you today
I hope to be with you again,
To burn like your sun someday
And everyday feel like you do 
High, brightening all the surface
Of the sad faces down here
Without any reason, without any doubts
Just being what you have to be
Doing what you have to do

I hope I can be that kind of man
That will hold a smile in both hands
To give to those people
Who can’t understand your meaning
So blue and so strong
Shining, higher than the right or wrong."

Freely inspired in the song 'Good Bye Blue Sky', performed by Pink Floyd.

O beija-flor

"Flutuou sobre os galhos ressequidos
Desprovidos das cores alegres que conhecera
No auge da primavera...
Subitamente, entristeceu
Percebendo a brevidade de tudo aquilo que o cercava."

quarta-feira, 10 de julho de 2013

A roseira

"Da roseira murcharam as flores
Restaram apenas espinhos
E lembranças do esplendor de outrora."


terça-feira, 9 de julho de 2013

Drama particular

"Seu corpo quieto, entregue à sonolência da tarde que se arrasta, me parece a mais bela arte. Porcelana branca, lisa, gélida. Faz frio. Posso ver cada poro se arrepiar e estremecer, enquanto suas mãos me afagam, primeiro com calma, depois com desespero, como se duvidassem da minha presença ou quisessem prolongá-la infinitamente ao seu lado. No silêncio, gestos despudorados, delinquentes, mudos, multiplicam-se indefinidamente. Sinto seu coração disparar, cada vez mais depressa, mais distante, entregue ao instante de calor breve de um no outro. Devo dizer-lhe adeus, mas não sei como."

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Pôr-do-sol em sampa

"Aurora refletida nos olhos,
Ansiedade contida no peito sem ter por que
Sentado aqui do alto analisando a tarde
Em suas mil cores vibrantes
Minha mente perece distante
Do calor tímido que me banha o corpo
E me atravessa a alma

Minha mente merece calma nessa tarde fria,
Mas no silêncio o coração dispara
Arde em emoção dispersa, duvidosa de si
Fazendo o sangue correr depressa nas veias

Como correm os carros nas vias desertas
Caleidoscópio de luzes diversas, dançantes
Involuntárias em seu ritmo incessante
A me embalar enquanto a noite não vem."

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Diálogo

"Entreolharam-se em silêncio,
Qualquer palavra arruinaria tudo, como de costume;
Por precaução, encerraram o diálogo.
Calados nos lábios um do outro."

Outubro

"Outubro me parece um mês triste por excelência, muito semelhante ao espírito dos homens que aqui habitam igualmente tristes. Vejo a melancolia que a primavera traz no amarelo pálido das folhas, mas é tão serena que me esqueço, em prece e apreço, admirando a beleza da natureza morta sob meus pés."

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Descuido

"Ele apresentava um falso cuidado consigo mesmo, na camisa asseada, em seus cabelos cuidadosamente penteados para o lado. Gostava de vestir-se bem, e apreciava bons perfumes, de preferência aqueles capazes de esconder o ar cansado que há tempos lhe envolvia a alma. Era de seu agrado toda a sorte de banalidades que contribuíssem para construir, aos olhos de quem vê, uma imagem de equilíbrio e certeza, contrária às tensões e contradições em seu íntimo, opressoras, impiedosas, dia após dia.

Dentre os milhões de outros seres falhos sobre a superfície da terra, este especificamente, não mais importante ou belo em suas desgraças particulares, deu-se ao luxo ou ao descaso. Numa segunda-feira cinza, cometeu o único pecado imperdoável a qualquer homem, esqueceu seus óculos escuros  ao sair de casa, deixando visível a quem quisesse ver, através do par de olhos pesados, tudo o que lhe afligia.

Caminhando pela calçada, no mesmo e infinito trajeto realizado todos os dias, passando por valetas sujas da podridão que a vida deixa para trás, sentiu-se notado por olhares ariscos, alheios ao seu sofrimento. Sentiu-se levemente incomodado, sem se dar conta de que oque toda aquela gente temia era olhá-lo nos olhos, e ver a si próprios refletidos na mesma dor."

Place to be


"Just because
Sometimes
We only need a place to be 
And to stay on in silence

I ask myself
Where is this place
Would it really exists?"

Freely inspired in the song 'Place to be', performed by Nick Drake