terça-feira, 20 de junho de 2017

Dezoito dias [quatro anos depois]

"Dezoito dias se passaram e desde então pouco mudou. O coração ainda bate, os ônibus continuam a passar sempre abarrotados de gente com um olhar típico do sono interrompido, das vidas incompletas e sempre prestes a esgotarem-se em uma esquina qualquer, em meio à pressa alheia. Há dezoito dias que amanhecer é uma incógnita, um enigma indecifrável.
 
A atenção fixada no cotidiano estonteia, espanta, revela absurdos inimagináveis. Estar vivo já não é suficiente, não me parece o bastante, porque há dezoito dias interpreto o mesmo papel frente a uma plateia vazia, sendo eu o único espectador. Mas estou cansado, cansado de interpretar e de assistir a mim mesmo sempre tão previsível, tão…certo.
 
Sinto pesar a máscara que trago frente ao rosto, sinto queimar-me a pele e os lábios e um gosto amargo descer pela garganta até o estômago faminto.
 
Há dezoito dias procuro a paz no silêncio e um refúgio na solidão, porque as respostas, delas eu abri mão há muito tempo atrás."

Quanto custa?

- “A vida tem seu preço”, disse-me. Angustiei-me instantaneamente.
 
Talvez ela não soubesse, mas disso eu estava ciente já há algum tempo. Respirei fundo, porém não tanto quanto gostaria naquele momento. Sentia que me faltava o ar aos pulmões oprimidos.
 
Sempre me questionei acerca dos sentimentos e de sua incrível habilidade de escapar do imaterial de nós, a ponto de se fazerem sentir tão concreta e dolorosamente (não me recordo agora de uma única exceção a essa regra).
 
Será este o preço que a vida nos impõe? Era disso que falávamos? Permaneci imóvel, impassível, olhando diretamente a mim refletido no fundo de seu par de olhos negros.
 
Talvez ela também não soubesse (me parece que, até aquele momento, de fato não sabia) da extensão do conflito que deflagrara dentro de mim. Do gatilho acionado por aquelas palavras ditas de forma tão inocente.
 
Num ato de enorme esforço expliquei-lhe que a maldição das palavras reside no simples fato de não determos capacidade alguma de controle uma vez que elas são distribuídas ao mundo. - “Também temos de aprender a conviver com isso”, conclui. Ela enrubesceu.
 
Percebi que havia lhe ensinado algo até então desconhecido, embora tudo não passasse de legítima defesa. Afinal, era ela o outro a buscar de forma tão obstinada o prazer de me fazer implorar para que não partisse. Ela, o outro.
 
Que acabava de pronunciar aquelas palavras sobre o preço que se paga para estar vivo, reivindicava agora a quota que lhe cabia naquilo tudo, como uma espécie de direito natural, ao qual todos os seres vivos fazem jus a certa altura da vida (sobretudo ao menor sinal de ameaça).
 
- “A vida tem seu preço”, repeti para mim mesmo. Ela tinha toda razão no que acabara de dizer e isso fez nascer em mim uma minúscula felicidade. Concordávamos, enfim.
 
Pretendia deixá-la. Mas, sem saber bem porque, fiquei. Noite adentro, encaramo-nos, buscando decifrar os segredos não ditos um do outro. De forma inútil, como haveria de ser. Pois se as palavras detêm o poder mágico de assumir sentidos não desejados, o que dirá o silêncio?
 
Na penumbra da noite resistimos, cada qual, à parcela de dor que a vida nos havia reservado. Ela, o outro, e eu. Inconciliáveis e incompletos, demos as mãos em um gesto amistoso e selamos ali, sem testemunhas, o nosso destino.
 
Não a vi depois disso, ao menos não “tête-à-tête”, embora minhas lembranças, vez por outra, insistissem em reavivá-la. Hoje não tenho dúvidas de que as lembranças - essas sim! - cobram seu preço.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Um Pouco + de Poesia

"Quando a poesia cessa, ficam velozes os dias
tão breves olhares, cada vez mais furtivos
distraídos mesmo da beleza de outros olhos
aparentam o mesmo desgaste que sinto
buscando dentro de mim a potência das ideias
o fervor capaz de fazer arder o universo
Tantos prédios, tanto existir ao redor de nós
enquanto caminho rememorando os dias de glória
ensaio um sorriso, uma razão, uma chegada
um pouco mais de poesia."