terça-feira, 27 de agosto de 2013

Epiderme

"Meu coração
Fraca epiderme
Fraca carne em ebulição
Queima como o sol
No solo seco do sertão."

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Agulhas negras

"Limite entre o céu e a terra
Onde me encontro acima do mundo
Flutuando entre nuvens passageiras

Tu és rígida como meu coração
Quente como meu coração
Palpitante, quieta

Não sei por que
Arrisco-me de tal forma
Ao pretender conquistar
O teu cume de mil faces

Talvez seja tua dura beleza
Que impiedosa me seduz
Mas sei o quanto és traiçoeira
Imponente gigante rochosa

Sei do poder milagroso que emanas
Que purifica a alma dos homens,
Que cura a cegueira dos olhos
E lhes reanima o corpo

Só ainda não sei
O quão mais alto ainda irei
Até saciar a minha sede."

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

"O nó na garganta me roubou a voz
Não consigo seguir fingindo
Sorrindo quando sorriem para mim

Aquela vontade de viver permanece intacta
Assim como meu amor por você
Mas acabaram-se os artifícios possíveis
As noites perdido em outros braços
Visível fracasso do esforço que faço
Pra tentar esquecer-te de uma vez por todas

Ao menos por um instante
Dormir em paz 
Sem olhar para trás
E sentir pena de nós logo adiante

O que fazer agora?
Eu me pergunto em vão sem respostas
Demora que não passa…
Que não tenhas vindo pra ficar
Rogo em prece às escondidas

Impossível seria compartilharmos as horas
E a dor contida nos dias que passo
Do alto deste terraço,
Escrevendo-lhe em versos tristes
Poesias e cartas de amor

Buscando uma alternativa plausível
Capaz de dissipar o grito
Que eu já não posso calar
Por nem mais um segundo."

Silêncio sincero

"O livro aberto sobre a mesa à meia luz me distrai o suficiente, subtraindo o possível sentido das prosas que se multiplicam ao redor. Escuto tudo como um espectador desinteressado o faria, mergulhado na imensidão de um romance há muito tempo idealizado por alguém, muito provavelmente, tão desinteressado quanto eu.

Uma garrafa de cerveja pela metade e apenas um copo. Bebo sozinho, por sorte. Compartilhar bons momentos é um privilégio raro e talvez por isso tão saboroso, não me lembro mais quando o fiz pela última vez sem pesar. Atualmente prefiro as vozes indefinidas dos bares e uma boa dose de ficção que me afaste desta grosseira realidade.

Ao menos aqui posso ser eu, alheio, taciturno, sentado quieto e livre da cruel necessidade de demonstrar interesse por coisas ou pessoas. Nada mais me interessa, deixo que olhem e riam da solidão como o fariam ainda que não houvessem motivos, pelo simples gesto de rir e acovardar-se perante o meu silêncio sincero."

terça-feira, 6 de agosto de 2013

De que me importa?

"Por detrás dos prédios vejo o sol caindo
E um avião passando no céu sem deixar rastro
Não sei pra onde vai tão depressa
Talvez leve gente importante
Empresários, suicidas, governantes
Com seus ternos caros
E sapatos cuidadosamente lustrados
Com a lâmina no bolso do casaco,
Esperando o momento certo

Que bela tarde faz em São Paulo
Nem quente, nem frio
A temperatura amena me acalma
Tranquiliza a sensação de vazio
De ver a mesma tarde pela milionésima vez
Com seus aviões, empresários e sapatos lustrados

Através da janela encardida de poluição
Num ponto xis de uma avenida qualquer
Posso imaginar o mundo inteiro num único instante
Como se dezenas de países e um punhado de continentes
Estivessem todos aqui presentes
Neste exato momento
Em frente à janela da copa no segundo andar
Onde tomo meu café preto em suaves goles
Distante, muito distante

Conheço poucas coisas na vida capazes de dar tanto prazer
Quanto se aquecer ao sol das 15 horas
Sem sentir um só pingo de culpa
Pelo trabalho acumulado ou das ligações que deixei de fazer
De que me importa
Se há uma dezena de e-mails a responder
Quando lá fora existem continentes infinitos e inexplorados
Todos ainda por conhecer?"


Pensei

"Pensei em aprender a pintar
Ou fazer um documentário
Pensei na cozinha francesa
E em como seria bom cozinhar
Quis reformar móveis velhos
Pra ver o tempo passar
Como lixa na madeira opaca
Que aos poucos vai fazendo brilhar
Pensei em fazer algo novo
Juro que até cogitei amar
Mas meu tempo anda tão escasso
Que eu só consigo pensar
Neste oceano de pensamentos absurdos
Naufrago sozinho, sem saber nadar."


Esconderijo

"Se a meia-noite não basta
Pra satisfazer o teu desejo
Não parta
Fique mais alguns tragos
Demore um pouco mais

Pra que tanta pressa
Se não há ninguém a lhe esperar
Se a casa ainda estará deserta
Quando você voltar?

Eu conheço o teu desespero tão bem
Pra continuar fingindo que não o vejo
Consinto, não vou mentir
Deixo que ele aconteça de tempos em tempos
Porque sem ele você nada seria

Ou melhor,
Seria como um sopro sem vento
Madrugada sem lua
Movimento sem vida
Essa vida toda sua, retida entre ponteiros
De um relógio parado, empoeirado
Esquecido nas profundezas do teu sótão imundo
Submundo de recordações e receios
Lar de paixões impossíveis

Será ali onde você se esconde
Durante as horas de tempestade?
Embaralhando em segredo cartas marcadas
Que eu lhe enviei outrora
Ou quem sabe roendo as unhas,
Com o coração inquieto
Procurando significados nas teias de aranha
Construídas no teto 
Sobre mobílias de um século atrás

Que lugar é esse,
Pra onde você prefere fugir
Sempre que a noite cai
Ao invés de simplesmente adormecer ao meu lado?"

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Paradoxo do nosso tempo

"Quem vai pagar
Pelo corpo no chão
Pela dor da família
Quem se arrisca a dizer
Quanto tempo falta
Para a próxima baixa
Pro caveirão invadir
Saquear, reprimir
Quem se arrisca?
Quantos mais?
Até quando?

A sorte está lançada
Façam suas apostas
É ano de copa do mundo
Que se fodam as mortes
Viva o apartheid imundo
Pare de questionar o sistema

Pequena, as coisas são como são
Porque sempre foi assim
A bala não é de festim
Porque um pobre não vale a lágrima
Nem a tormenta

Durma, durma e não pense
São apenas números no jornal
Manchetes sensacionalistas
Nada é real, mantenha a calma
E não se revolte
Foi só mais um a menos

Faça sua parte, estude, trabalhe
Conquiste bens, o máximo que puder
Constitua família e tenha medo
De ser furtado,
Sequestrado na saída do shopping

Tenha ódio de preto pobre vagabundo
Pois são eles os responsáveis
Por todos os problemas do mundo
Não você,
Nunca você,
Somente os outros, sempre

Viva o sonho americano sem remorsos
Essa construção fantástica de gente feliz
Sorridente, de barriga cheia e olhar radiante
Siga, siga adiante
Você já está quase pronta

Só mais alguns ajustes,
Pequenas regulagens
E voilà
Aí está, um ser humano ideal
Domesticado como um animal burro
Cego, surdo e mudo

Mais um a acusar sem conhecimento
A condenar sem provas
A engolir, digerir e reproduzir
Toda essa merda."

Domingo

"O relógio soou
Uma senhorita correu, gritou
Acenou e sorriu
A locomotiva partiu vagarosa
Um punhado de corações apaixonados
Bem ali, ao meio-dia
Na plataforma onde pessoas se amontoavam
Espremiam-se gargantas
Com gravatas e colares de brilhante
Angústia mal disfarçada, olhares trêmulos
A fumaça rasgando o céu claro de domingo
Dia sagrado, dia de oração
Almoço com a família,
Malas prontas
E despedida."

Sala de embarque

"Sonhar sempre me seduziu mais que o simples viver
Eu não sei lhe explicar o por que
Disso, daquilo ou dacolá
Só sei que o sinal apitou
E toda a gente correu apressada
Tropeçando nas malas,
Esbarrando uns nos outros
Pro avião que já vai decolar
Deixando pra trás, assim como eu
Algo por terminar."

Mesa de bar

"Nós ainda podemos viver
Beber com os amigos até o dia raiar
Nós ainda podemos crer
Que na segunda-feira tudo vai mudar
E os amores do fim de semana
Nossas lutas, ideologias, mancadas
Todos eles serão cabides
Pra saudade se pendurar
Feito roupa velha dentro da gente
Minguarão como a lua até não sobrar nada
Lotarão os armários e lá ficarão esquecidos
Criando mofo

Mas ainda podemos mudar tudo o que foi
Pois amanhã já nada será
A cerveja no copo vai esquentar,
A garrafa na mesa, vazia ficará
À espera de um garçom generoso
Ou de algum bêbado desastrado
Que a venha quebrar em mil pedaços minúsculos
Impossíveis de enxergar no chão imundo
De guerras, miséria e sofrimento
Sobre o qual andamos,
Sobre o qual dançamos e bebemos
Celebrando sei lá o que
Esperando comovidos para ver o que virá
O que farão de nós

O que farão?
Não sei.
Mas eu vou recolher os cacos
Antes que alguém se machuque."

domingo, 4 de agosto de 2013

Domingo a tarde, um poema.


Poema de Ondjaki, pseudônimo do escritor angolano Ndalu de Almeida, localizado nas paredes do Museu de Cultura Afro Brasileira, em SP.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

C'est fini

"O cheiro doce dela
Asfixia-me
O maldito sabor dos teus beijos
Me azeda a boca,
Me embrulha o estômago
Dá azia lembrar
Das preguiçosas tardes com ela
Sentados à janela até o sol cansar
E repousar no fundo dos teus olhos castanhos
Eu atônito ao vê-la sorrir,
Embriagado de sentir seu tocar
Sempre tão leve em meu rosto
Dá tristeza pensar
Que era tão bom
Mas acabou."

Metrópole

"Guilherme, 21
Alto, magro, pele suja
Traz na face um sorriso amargo
De dentes podres
Envolto em sua manta
De poluição, miséria e abandono

Não sente fome
Não sente frio
Não sente ódio
Só um vazio

Seus pulmões carregados
Na beira da pista
Sem casa,
Sem carro,
Só catarro

Sozinho na pedra
Afundado na merda
Da grande, rica 
E indiferente metrópole."

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Constelação

"Os astros que nos guiem
Nessa galáxia perdida
Em meio a essa gente sofrida,
Sem fé
Os astros que nos guiem
Até onde der,
Enquanto o coração aguentar

Seguiremos,
Pela unificação dos homens
Pela pacificação do mundo
Pela união dos povos
Em una constelação
Buscando no céu a luz que nos guiará
Ao dia da vitória, ao derradeiro momento

Que os astros nos guiem
E as estrelas brilhem forte no infinito
Iluminando nossos passos
Que nossos sonhos permaneçam
Serenos, sinceros, belos de se desejar

Eu espero, olhando para o alto
E sinto toda a energia do universo
Revigorar essa esperança difusa
Que nos move a querer mudar
A querer viver, sem abrir mão de sonhar."