"Ninguém será capaz de perceber
Que o sofrer de outro alguém
Não importa quem,
Não importa o quanto
Foi, é e para sempre será
Parte dele também
Parte do canto silenciado
Nas gargantas de toda a gente
Ninguém será capaz de ver,
Reconhecer no outro a si próprio
Antes que seja tarde demais
Antes que o revés da vida
E suas feridas fatais
Marquem para sempre a história
Com páginas de tristes recordações
De existências perdidas em vão
Sobre o solo duro de concreto
Cálidas ainda, ofegantes
Sob a fina garoa de verão
Que cai incessante, impaciente
Ensopando tudo ao redor
Confundindo o suor dos corpos
No esgoto de escuras avenidas
Abandonadas com seus cadáveres a feder
Sem ninguém ver,
Sem ninguém jamais saber dos mortos
Senão por apenas ouvir dizer que existem
E seguem famintos pelo mundo afora
Distantes de todo o glamour
Ausentes de qualquer conforto
Invisíveis talvez ao olho nu dessa gente
Gente que passa depressa, tropeça, desvia
Indiferentes como a chuva
Que molha sem querer nossa cidade
Nossa grandiosa metrópole corrompida
De vaidades sem limites,
Crescentes como o sol nascente
Que se ergue por detrás dos arranha-céus
Sem sequer alcançar os homens
Sol cujo lume não aquece mais o frio,
Nem nos ofuscam os olhos
Luz que a gente esquece
Porque por vezes parece
Haver se cansado de brilhar por nós
O que faremos?
O que seremos quando a escuridão reinar?
Quem será capaz de saber
Se o mundo será melhor então
Sem conhecer suas próprias desgraças?
Escondidas no breu das ruas
Debaixo de cobertas imundas
Cercadas por matilhas de cães vadios
Que não farão senão uivar para a lua
Eternizada no infinito como doce lembrança
Daquilo o que perdemos no passado
Da humanidade apodrecida em nossas mãos
Da vida dilacerada pelo tempo,
Em pequenas partes de amarga desilusão."